David Correa, o homem das melodias inesquecíveis

Nota oficial

E a brisa levou David Correa. É difícil imaginar alguém que goste de samba-enredo e nunca tenha se deixado encantar por alguma composição dele. Durante uma edição do projeto Molhando a Palavra, realizado pelo Cultural, ele contou, divertido: “Durante a festa de encerramento da Olimpíada [Rio 2016], cantaram vários sambas. Eu fiquei me perguntando: será que não vão cantar nenhum meu?!” Na saída, o cortejo entoou ‘Vou me embora, vou me embora’. “Aí eu fiquei feliz”, lembrou.

O refrão de Macunaíma, Herói da Nossa Gente, cantado no carnaval de 1975, foi a segunda das setes vezes que a Portela entrou na avenida cantando David Correa. Naquele ano, ele interpretou seu samba ao lado de um time dos sonhos: Clara Nunes, Candeia e Silvinho da Portela. A primeira vitória foi em 1973, com Pasárgada, quando ele inventou o alusivo que sempre o caracterizou: “Alô, família portelense, chegou a hora!”.

A série mais impressionante de David começou em 1979, com Incrível, Fantástico, Extraordinário, fazendo a escola sair da avenida como favorita do público e da crítica, faturando o Estandarte de Ouro de escola e samba-enredo.

Os versos finais do samba “Trabalha, de janeiro a janeiro, e em fevereiro cai na delícia da folia, mestre-sala e porta-bandeira riscam o chão de poesia” convidaram o povo a se juntar à última ala da escola, que era um bloco de sujos, coroando um carnaval inesquecível.

No ano seguinte, em 1980, Hoje Tem Marmelada foi uma ode ao circo. Mordida pela perda de um campeonato certo, a Portela entrou cantando forte e faturou pela segunda vez seguida o Estandarte de melhor escola e dessa vez foi campeã, ainda que empatada com Beija-Flor e Imperatriz.

Em 1981, David Correa fez aquela que talvez seja sua obra-prima: Das Maravilhas do Mar, Fez-se o Esplendor de Uma Noite era um enredo poético de difícil tradução. O próprio David estava com dificuldade de encontrar o caminho. Ele conta que foi então pescar com seu parceiro Jorge Macedo. Assim que jogou a linha falou para o outro: “vamos embora, eu já sei como vamos fazer”.

Assim nascia um dos refrões mais belos da antologia do samba-enredo: “E lá vou eu, pela imensidão do mar. Essa onda que borda a avenida de espuma, me arrasta a sambar”. Na hora do desfile, todos estavam ansiosos para ouvir a composição de maior sucesso da temporada.

A Portela não conseguiu o bicampeonato mas esse samba transcendeu e muito o carnaval. Ficou nas paradas de sucesso do Brasil até setembro! David se apresentou no Chacrinha, no Fantástico e no Globo de Ouro, programa musical da emissora. O refrão do samba foi parar em Tóquio, quando o Flamengo sagrou-se campeão mundial de clubes.

Em 1982, com um enredo sobre o folclore, Meu Brasil Brasileiro, mais um sambão de David Correa, que levou a azul e branco ao vice-campeonato.

O compositor também emplacou sambas em outras escolas: Skindô Skindô, no Salgueiro, em 1984; Parece até que foi ontem, de 1985, e De Alegria cantei, de alegria pulei, de três em três pelo mundo rodei , em 1986, na Vila Isabel; Conta Outra que Essa foi Boa, na Imperatriz em 1988 e Atrás da Verde-e-Rosa Só Não Vai Quem Já Morreu, para a Mangueira, em 1994 – outro refrão cantado até hoje.

Em 2002, David Correa obteve sua sétima vitória na Portela, para o enredo Amazonas, esse desconhecidoAté 2019 participou dos concursos de samba-enredo na Portela.

Como se não bastasse sua contribuição maiúscula para a história do gênero, o compositor portelense ainda fez sucesso fora das quadras, cantado por Elza Soares ( Bom dia, Portela) e Almir Guineto (Mel na minha boca).

No Molhando a Palavra realizado em 2018, David Correa recebeu homenagem do Cultural por sua relevante contribuição à cultura popular e também recebeu a Medalha Natal da Portela.

O Departamento Cultural da Portela se solidariza com os familiares e amigos do querido David. Hoje a família portelense se joga nos braços da tristeza. E o mundo ficou mais pobre dos versos do cantador. Boa noite, poeta!

Ouça o próprio David contando sua maneira de compor no podcast Samba Leal, apresentado pelo jornalista Eugênio Leal.

(Texto: Marcelo Hargreaves)

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