A genialidade do center half, 1928

Portela de Tempos Atrás

Na semana passada revelamos que o samba atualmente conhecido comoÓpio” foi composto em 1928 e se chamava “Beijo de Ópio”. Vimos também que a parceria autora do samba original, Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres, foi substituída posteriormente por Paulo da Portela e Casquinha. Também ficou claro que Casquinha não pode ter sido oparceiro de Paulo da Portela no samba original, já que em 1928, ele tinha apenas seis anos de idade.

O que teria acontecido não está registrado. Pelo menos, não foi possível encontrar nada que nos levasse aos motivos da mudança. Restou-nos apenas uma tese…

É de conhecimento geral que os sambistas da antiga, muitas vezes, compunham só a primeira parte dos seus sambas e convidavam parceiros para escreverem a segunda parte. Assim nasceram muitas parcerias famosas. Outra forma, no entanto mais difícil, eram os sambistas geniais que criavam uma segunda parte na hora, após ouvir a primeira parte, surpreendendo a todos que presenciavam a cena.

Otto Henrique Trepte, o Casquinha, é um desses gênios! Para ilustrarmos o quanto Casquinha era reconhecido por suas “tiradas” nas letras de sambas, lançamos mão do imperdível documentário “Casquinha, o center half da Portela” (foto abaixo). Participam deste trabalho em vídeo Monarco, Tia Surica, Serginho Procópio, Guaracy, Mauro Diniz, membros da Velha Guarda da Portela, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Teresa Cristina, dentre outros. Nele, Mauro Diniz recorda como Casquinha compôs, quase na hora, a segunda parte do samba “Recado”, cuja primeira parte é de Paulinho da Viola. Façanha inesquecível realizada dentro da quadra da Portela. Provas não faltam!

Casquinha é um dos poucos que possuem este dom e cujo estilo é incomparável. A segunda parte do samba “Ópio” traz esta marca. É esta uma de suas qualidades e justamente a que permitiu que ele se tornasse parceiro de Paulo da Portela nesta obra. No entanto falta ainda um esclarecimento. Por que a letra foi substituída?

Conta a historiografia que na década de 30, Heitor dos Prazeres teve um desentendimento com compositor portelense já falecido por causa de um samba. Heitor teria registrado o samba em seu nome. Heitor também teve um contratempo com Manoel Bambambam, diretor de Harmonia da Portela nas décadas de 30 e 40, personagem muito influente na Escola de Osvaldo Cruz.

Logo depois do carnaval de 1941, no episódio que acabou com o afastamento de Paulo da Portela da Escola, Heitor teria se distanciado um pouco da Portela envolvendo-seem outras atividades, como está fartamente descrito em sua biografia. Algumas das obras compostas por Heitor teriam se perdido neste período. Com certeza, “Beijo de Ópio” é uma delas, já que desconhecemos outros registros além do publicado no artigo anterior. 

 

Assim, da versão inicial de “Beijo de Ópio” ficou guardada na memória portelense apenas a primeira parte composta por Paulo da Portela. A segunda parte do samba foi esquecida. Até que Casquinha, percebendo a importância da obra, criou a conhecida segunda parte gravada no LP “Velha Guarda da Portela, Homenagem a Paulo da Portela”, pela Ideia Livre Produções Culturais Ltda..

 

Provavelmente Casquinha, ao ler este artigo, passou a ficar sabendo, junto com você, que “Ópio” se chamava “Beijo de Ópio” e que possuía uma segunda parte composta por Heitor os Prazeres.

 

Desta forma, o atual samba “Ópio” é por direito obra de Paulo da Portela e Casquinha. As gravadoras não tem com o que se preocupar.

 

Acabou? Não. Se você nunca parou para prestar atenção nas composições de Casquinha está perdendo duas oportunidades: de ouvi-las sendo executadas pelo próprio Casquinha e de apreciar o samba sincopado, tipo raro e difícil de composição cujo seu maior expoente vivo é Casquinha.

Aproveite para conhecer outras histórias lendo o livro sobre a vida e a obra de Casquinha (foto ao lado). Aos 94 anos, o center half da Portela continua batendo um bolão!

 

Marcello Sudoh – Presidente do Consulado da Portela no Japão

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